FUGESP
Revista de Gastroenterologia da Fugesp - GASTRITES
Set/Out-2001

GASTRITES

Cláudia de Oliveira Marques
Antonio A Laudanna


Define-se genericamente o termo gastrite como sendo um processo inflamatório da mucosa gástrica, evidenciado essencialmente pelo exame microscópico, podendo em outras ocasiões ser evidenciado pelo exame endoscópico.

Todavia, o termo gastrite tem sido atribuído e empregado de forma inadequada e abusiva em muitas ocasiões, tanto por pacientes como por médicos, para nomear sintomas dispépticos (queimação, flatulência, plenitude pós-prandial, sensação de peso e eructações freqüentes).

Estes sintomas podem estar presentes em pacientes com gastrite como também podem ocorrer em pacientes com mucosa gástrica normal.

CLASSIFICAÇÃO

Diversas classificações baseadas em aspectos clínico-patológicos, patogenéticos e endoscópicos foram utilizadas para estadiar as gastrites; contudo, em 1991, diversos pesquisadores gastroenterologistas, endoscopistas e patologistas reuniram-se em Sydney, na Austrália, com intuito de racionalizar a confusão criada pelas inúmeras classificações, criando uma nova classificação denominada de Sydney, que visava a simplificar a classificação das gastrites. Essa classificação, porém, foi revista em 1996 e também não conseguiu caracterizar adequadamente a classificação das gastrites. Na verdade, a classificação de Sydney (Quadro1) é mais uma sistematização do que uma classificação.

As gastrites expressam-se habitualmente por enantema, com ou sem erosões. A sistematização de Sydney procurou definir o aspecto endoscópico, histológico e etiológico, sempre que possível. Em virtude de as alterações endoscópicas poderem ser de todo o estômago, focais, erosivas e hemorrágicas, empregam-se os diagnósticos seguintes (como exemplos):

  • pangastrite enantematosa
  • antrite (que acomete só o antro)
  • erosiva de corpo
  • hemorrágica e assim por diante.

Ao diagnóstico endoscópico, ainda pode-se acrescentar o aspecto micronodular sugestivo de infecção pelo H. pylori ou erosiva hemorrágica sugestiva de lesão por AINES.

Quadro 1 - Classificação das gastrites com base na topografia, morfologia e etiologia, segundo o Sistema Sydney revisto em 1996.

TIPO DE
GASTRITE
FATORES
ETIOLÓGICOS
SINÔNIMOS
EMPREGADOS

Não-Atrófica

H. pylori
Outros fatores?
Tipo B
Superficial
Gastrite Antral Crônica

Atrófica autoimune

Atrófica Multifocal

Autoimunidade

H. pylori
Dieta
Fatores Ambientais?

Tipo A
Difusa do Corpo
Associada a Anemia Perniciosa

Tipo B
Ambiental
Metaplástica

Formas Especiais
Química


Granulomatosas



Não-Infecciosas

- AINES
- Bile
- Irritação química

Doença de Crohn
Sarcoidose
Vasculites

Corpo Estranho
Idiopática

- Gastropatia por AINES
- Refluxo
- Reativa

Linfocítica

Idiopática
Celíaca
Mecanismos Imunes
Drogas
Associada a Doença Celíaca
Eosinofílica Sensibilidade alimentar Alérgica
Infecciosas Vírus
Fungos
Bactérias (não H. pylori)
Parasitas
Flegmonosa

Atualmente, tem-se enfatizado mais o aspecto etiológico e utilizado uma terminologia mais moderna, onde se tenta distinguir gastrite de gastropatia.

As gastrites referem-se a lesão epitelial na mucosa gástrica com presença de infiltrado inflamatório, e as gastropatias referem-se a lesão epitelial da mucosa gástrica na ausência de infiltrado inflamatório.

Exemplo desta última é a gastropatia causada por AINES (antiinflamatórios não hormonais), onde existe lesão do epitélio gástrico, porém sem inflamação, não tendo diagnóstico histológico de gastrite.

De forma simplificada podem-se classificar as gastrites segundo a etiologia em:

1. Gastrite por Helicobacter pylori

2. Gastrite Atrófica

- Autoimune
- Ambiental

3. Gastropatia por AINES

4. Gastropatia Química

Formas Comuns

 

 

5. Gastrite Infecciosa

- Tuberculose
- Sífilis

6. Gastrite Granulomatosa

- Doença de Crohn
- Sarcoidose

7. Gastrite Eosinofílica

8. Gastrite Lonfocítica

9. Gastrite Hiperplásica

Formas Raras

1) Gastrite Causada pelo Helicobacter pylori

A gastrite causada pelo Helicobacter pylori é uma das formas mais comuns de gastrite, principalmente das gastrites crônicas.

Pode se apresentar sob a forma aguda ou crônica.

A forma aguda ocorre quando o indivíduo tem sua primeira infecção pelo Helicobacter pylori, nesta fase existe um infiltrado neutrofílico e eosinofílico na lâmina própria, edema, congestão e re-epitelização celular.

À endoscopia, podem-se verificar hiperemia, erosões, ulcerações e friabilidade da mucosa.

Geralmente nesta fase os pacientes são assintomáticos; todavia alguns podem apresentar desconforto gástrico, dor epigástrica, náuseas e vômitos. A persistência desta bactéria acarreta um quadro de gastrite crônica caracterizada pela infiltração na mucosa gástrica de linfócitos e plasmócitos, podendo apresentar também atrofia glandular.

A sintomatologia digestiva em pacientes com gastrite crônica causada pelo Helicobacter pylori é muito variável, desde pacientes assintomáticos até pacientes com excessivas queixas dispépticas.

Por este motivo, por vezes, existe uma grande dificuldade de relacionar os sintomas digestivos à gastrite crônica causada pelo Helicobacter pylori. Muitos pacientes são tratados e continuam com os sintomas digestivos, assim como muitos albergam a bactéria e são assintomáticos. Em nosso meio, segundo estudo feito na Disciplina de Gastroenterologia do HC-FMUSP, 62% da população completamente assintomática alberga o Helicobacter pylori.

O diagnóstico é realizado pelo exame histológico onde, além de se visualizar o processo inflamatório (gastrite), visualiza-se a bactéria espiralada na mucosa gástrica. Outros métodos diagnósticos não invasivos, como o Teste expiratório ("Breath Test") com uréia marcada com Carbono 13 ou 14, Teste da Urease ou Teste Imunológico por Elisa, podem ser utilizados para o diagnóstico de infecção pelo Helicobacter; contudo não diagnosticam gastrite.

O tratamento da gastrite por Helicobacter pylori tem sido efetuado com intuito de erradicar a bactéria, aliviar sintomas, prevenir desenvolvimento de úlcera péptica e prevenir transformação neoplásica, principalmente quando existe atrofia ou história familiar de câncer.

2) Gastrites Atróficas

As gastrites atróficas podem ser autoimunes ou ambientais. A gastrite autoimune, denominada também Anemia Perniciosa, como o próprio nome sugere, apresenta evidências imunológicas de se tratar de uma doença autoimune. Grande parte dos portadores deste tipo de gastrite apresenta anticorpo anti-célula parietal que pode desempenhar papel importante na destruição das células parietais. Caracteriza-se por uma atrofia das glândulas do corpo e fundo gástrico, hipocloridria, hipergastrinemia, deficiência do fator intrínseco e conseqüentemente deficiência de vitamina B12.

Pode ser assintomática do ponto de vista gastrointestinal, podendo apresentar-se como um quadro de anemia e neuropatia por deficiência de vitamina B12.

Ao exame endoscópico verifica-se redução das pregas mucosas de corpo e fundo que correspondem a atrofia glandular visualizada por meio de exame histopatológico. Os pacientes com gastrite atrófica invariavelmente desenvolvem áreas de metaplasia intestinal do tipo intestinal ou pilórica e apresentam risco de desenvolver neoplasia gástrica em três a cinco vezes superior aos indivíduos-controles.

O tratamento é eminentemente de suporte, com reposição de vitamina B12 e seguimento periódico destes doentes para rastrear neoplasia gástrica.

Gastrite Atrófica
Note o desaparecimento das pregas da mucosa e adelgaçamento da mesma, o que permite a visibilisação de vasos.

Obs. do Dr. Shinishi Ishiota

3) Gastropatias por AINES (antiinflamatórios não hormonais)

Os AINES provocam lesão na mucosa gastroduodenal por: mecanismo sistêmico (responsável por 80% dos casos) e por mecanismo tópico.

No mecanismo sistêmico, há enfraquecimento dos fatores defensivos da mucosa por inibição da cicloxigenase, enzima essencial para produção de prostaglandinas.

No mecanismo tópico há efeito tóxico direto à mucosa por aumento da permeabilidade celular, inibição do transporte iônico e da fosforilação oxidativa. Ambos os mecanismos reduzem as propriedades defensivas da mucosa, expondo-a ao efeito deletério do ácido.

Aproximadamente 10-20% dos pacientes que usam AINES apresentam dispepsia. Contudo, não existe boa correlação entre a presença e intensidade das lesões induzidas por AINES e sintomas clínicos.

Pacientes podem apresentar hemorragia digestiva severa ou perfuração sem que tenham tido algum sintoma prévio ao início do quadro, ou podem apresentar queixas dispépticas importantes como dor, náusea, queimação, flatulência, sem que haja lesões importantes vistas à endoscopia.

Aproximadamente 30-40% das úlceras induzidas por AINES são assintomáticas.

Alguns fatores de risco estão relacionados à gastropatia por estas drogas:

Idade > 60 anos, história prévia de úlcera, uso concomitante de corticosteróide, altas doses de AINES ou uso de mais de um AINES, administração concomitante de anticoagulantes, tabagismo, etilismo, presença do H. pylori. A mortalidade estimada para pacientes hospitalizados por sangramento gastrointestinal secundário ao uso de AINES encontra-se em torno de 5-10%.

Demonstrou-se que os inibidores de bomba protônica (omeprazol, lanzoprazol) são superiores tanto na profilaxia como no tratamento das lesões gastroduodenais induzidas por AINES, quando comparados com os bloqueadores H2. E segundo os últimos trabalhos publicados, pacientes assintomáticos sem quadro dispéptico não devem receber tratamento profilático com bloqueadores H2; porém, podem receber omeprazol ou lanzoprazol, ou análogo da prostaglandina que é o misoprostol. Ressaltamos que esta última droga é a única medicação aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para profilaxia das úlceras gastroduodenais induzidas por AINES. Contudo, devido aos efeitos colaterais como diarréia e abortamento que esta droga pode promover, associados à dificuldade de aquisição desta droga no Brasil, o misoprostol não é utilizado rotineiramente. A introdução de novas drogas antiinflamatórias, que inibem seletivamente a cicloxigenase tipo II (COX-2), parece ser o maior avanço na proteção e profilaxia das lesões gastroduodenais induzidas por AINES. O celecoxib e rofecoxib são antiinflamatórios mais bem tolerados pela mucosa gástrica em relação aos demais.

Gastrite Hemorrágica causada por AINES.

Obs. da Dra. Claudia P. M. de Oliveira

4) Gastropatia Química e Formas Raras de Gastrite

Os sais biliares e as enzimas pancreáticas podem causar gastropatia porque são substâncias detergentes, que quebram a barreira mucosa permitindo a retrodifusão de íons H+, lesando a célula.

Outras formas mais raras de gastrite são as infecciosas (citomegalovírus, toxoplasmose, fúngica, tuberculosa e sifilítica) e as denominadas eosinofílicas, onde há intenso infiltrado inflamatório eosinofílico, e linfocíticas, onde há infiltrado inflamatório linfocítico. Esta última está associada a doença celíaca, doença de Ménétrier e colite colágena. As gastrites granulomatosas podem ser encontradas na doença de Crohn e sarcoidose.

 

www.fugesp.org.br
FUGESP - Fundação Médico-Cultural de Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo
Rua Itacolomi, 601 - 4º andar - Conjunto 46 - Higienópolis - Cep: 01239-020 - São Paulo - SP
© Copyright 2005, FUGESP