FUGESP
Revista de Hepatologia - MORFOLOGIA HEPÁTICA: CIRCULAÇÃO E PERFUSÃO HEPÁTICA
Setembro/Outubro 2000

IMPORTÂNCIA DA ULTRASONOGRAFIA HEPÁTICA

PARÂMETROS DA ULTRA-SONOGRAFIA NAS HEPATOPATIAS CRÔNICAS

Dra. Denise Cerqueira Paranaguá Vezozzo
Médica Pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia do Serviço
de Gastroenterologia Clínica do HCFMUSP

O uso da ultra-sonografia (US) no estudo das hepatopatias crônicas, com destaque para as cirroses, tem adquirido uma crescente importância, sobretudo pelos conhecimentos acumulados com inúmeros trabalhos comparativos anátomo-clínicos e também pela tecnologia dos novos equipamentos que possibilitaram melhores correlações e aquisições de imagens.

Cirrose hepática é definida como um processo parenquimatoso difuso que apresenta fibrose e formação de nódulos regenerativos, com desarranjo da arquitetura lobular do fígado e necrose. A fibrose não significa cirrose. Fibrose isolada pode estar presente na insuficiência cardíaca, obstrução de ducto biliar e fibrose congênita sem corresponder a cirrose verdadeira. A formação de nódulo sem regeneração como na hiperplasia nodular regenerativa não é cirrose. Cirrose surge após necrose hepatocelular, processos metabólico-degenerativos hepáticos e/ou ambos. Embora as causas da necrose hepatocelular sejam diferentes, o resultado final é o mesmo: destruição variável e alteração da micro e macrocirculação, como da arquitetura hepática com associada formação de largas bandas de septos fibrosos que circundam os nódulos regenerativos.

Morfologicamente quatro tipos de cirrose podem ser reconhecidos: micronodular, macronodular, mista e septal incompleta. A cirrose micronodular é caracterizada por septo uno e de largura uniforme e com nódulos regenerativos usualmente menores do que 3 milímetros de diâmetro, como se encontra no alcoolismo e na desnutrição. O fígado macronodular apresenta nódulos maiores do que 3 milímetros até centímetros, e os septos apresentam variada espessura, tipo este referido como cirrose pós-necrótica. O tipo misto tem características de cirrose micro e macronodular. A cirrose septal incompleta é sinônimo de cirrose pós-hepática e pode ser classificada como macronodular.

O diagnóstico da cirrose pela ultrassonografia é baseado em sinais hepáticos e extra-hepáticos tais como esplenomegalia, ascite ou sinais de hipertensão portal, descritos amplamente na literatura e comuns a outras doenças. Já os sinais hepáticos podem ser sinais indiretos de cirrose como variações das dimensões dos segmentos hepáticos de forma isolada ou em conjunto, o que implica aumento ou redução dos lobos ou hipertrofia do caudado. Avaliam-se outros sinais, tais como: a análise do padrão da ecogeneidade do parênquima; as variações graduais da textura do parênquima; variações da textura associadas ao aumento da ecogeneidade; variações da textura associadas a maior brilho e atenuação sonora posterior; irregularidades da superfície hepática evidenciadas na linha ecogênica do contorno.

Interessante analisar pela ultrassonografia os diferentes grupos de população de pacientes que apresentam cirroses de etiologias diversas; até o momento estas diferenças são tênues, em virtude da capacidade de resolução da escala de cinzas. Os equipamentos da geração dos anos 90 apresentam aproximadamente 256 tons de cinza; já os recentes, com programas digitais, apresentam melhor formação de imagem. Daremos alguns exemplos de grupos de doenças hepáticas que cursam com características sonográficas peculiares..

Na cirrose alcóolica há aumento difuso da ecogeneidade e do brilho, tendendo à textura homogênea, bordas rombas, hepatomegalia e predominância da rede arterial ao Doppler (recurso complementar do aparelho). Na Síndrome de Budd Chiari há variação focal da ecogeneidade, podendo apresentar-se nódulos hipoecóides imprecisos, hipertrofia do caudado associado a vasos de trajeto anômalos e ausência de fluxo dos vasos hepáticos ao Doppler. Na hepatite autoimune o fígado tende a ser mais hipoecoíde com textura grosseira variável, bordas finas e poucos sinais de hipertensão portal. Na doença de Gaucher observa-se hepatomegalia homogênea e volumosa esplenomegalia. Nas hepatites virais, especialmente de etiologia pelo vírus B, observamos um padrão de textura heterogêneo e grosseiro com micronódulos hipoecóides, e alguns, esparsos, hiperecóides e difusos.

Desta forma, tentativas têm sido realizadas para melhor quantificar parâmetros sonográficos e torná-los mais objetivos. Numerosos avanços já estão ao alcance da prática médica e, portanto, a divulgação da padronização permite rotina sistematizada aplicada à investigação de pacientes cirróticos, com resultados tanto para aqueles que operam o aparelho como para aqueles que solicitam o exame apoiados nos relatórios bem elaborados, descritivos e objetivos do exame. Os principais parâmetros de avaliação das hepatopatias são: dimensão, superfície, bordas e grau de homogeneidade do parênquima.

Para determinar as dimensões hepáticas utilizamos os conceitos simples de Weill baseados nos ângulos marginais (sinal do ângulo) e espessura do lobo esquerdo (sinal tangente). A hipertrofia do lobo caudado é avaliado de acordo com os critérios de Seitz e cols, sinal testado como altamente específico e ausente em todos pacientes não cirróticos (especificidade de 100% e sensibilidade de 26%).

A irregularidade da superfície é um sinal objetivo que diretamente se correlaciona com a aparência real do fígado cirrótico. A linha hiperecóide da superfície hepática pode ser interrompida e descontínua, ou mesmo com aspecto nodular, melhor avaliada ao longo do contorno hepático anterior esquerdo.

As bordas hepáticas são analisadas ao longo do eixo longitudinal dos lobos, valorizando--se a maior distância entre o diafragma e a borda inferior direita e esquerda, enfocando-se a confluência dos ângulos formados pelas faces anterior e posterior do fígado, maiores do que 75 e 45 graus, respectivamente.

Fig.1 - Esteatose hepática. Observe a acentuação do brilho por atenuação sonora posterior.

A análise do parênquima hepático ou textura foi didaticamente classificada por Kimura e cols da Universidade de Chiba (Japão) em quatro padrões, de acordo com a detecção de nódulos hipoecóides , o que permitiu definir graus de textura, que variam desde zero ou homogênio, até grosseiro de 1, 2 e 3 cruzes. É bem verdade que o padrão de ecogeneidade é altamente subjetivo e dependente do equipamento, do operador e das características de ecogeneidade peculiar de cada paciente levando-se em conta, tipo de pele e espessura da derme. A granulação dos ecos não é facilmente quantificável e tentativas de padronização mais rígida estão limitadas a trabalhos experimentais. Brilho é outro parâmetro subjetivo, porém há consenso quanto a comparação entre os ecos do parênquima hepático e os ecos da córtex renal, possibilitando graduação da ecogeneidade hepática em três níveis: leve, moderado e grave. Por outro lado, é um sinal relativamente específico, estando ausente em todos os pacientes sem infiltração gordurosa e, a presença de esteatose traduzida como hiperecogeneidade com atenuação sonora posterior ao ultra-som é uma expressão de gordura hepática ( 66% de pacientes com esteatose presente).

Num recente trabalho, estudamos prospectivamente 44 pacientes com hepatopatia pelo vírus da hepatite C (VHC), sendo 23 com diagnóstico histológico de cirrose.

Fig.2 - Cirrose hepática causada pelo vírus C.
Observe a textura grosseira do parênquima.

O objetivo foi o de comparar a ultrassonografia convencional com o estadiamento histológico da infecção crônica pelo vírus da hepatite C para o diagnóstico de cirrose, obedecendo estes parâmetros já descritos acima. Este estudo permitiu discriminar as fases mais avançadas da doença, sendo que dentre os critérios analisados, a textura e superfície mostraram-se altamente sensíveis e específicas na identificação da cirrose (95,6% x 80,0% e 91,3% x 80,0%).

Fig.3 - Cirrose hepática por vírus C.
Ressalte-se na imagem irregularidade de contornos, textura grosseira e nódulo hipoecogênico de hepatocarcinoma (flecha).

 

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