FUGESP
Revista de Hepatologia - FUNÇÃO HEPÁTICA 1 - METABOLISMO DAS BILIRRUBINAS
Novembro/Dezembro 2000

CURSO DE HEPATOLOGIA

FUNÇÃO HEPÁTICA 1 - METABOLISMO DAS BILIRRUBINAS

Dra. Cláudia P. M. S. de Oliveira
Médica Pesquisadora da Disciplina de Gastroenterologia da FMUSP
Prof. Dr. Antonio A. Laudanna
Professor Titular de Gastroenterologia da FMUSP

Icterícia é a coloração amarelada da pele e mucosas decorrente do acúmulo de bilirrubina no soro e tecidos. A icterícia manifesta-se clinicamente na pele e mucosas, quando a bilirrubina ultrapassa 2,5 mg % no sangue.

Após 120 dias, as hemácias são fagocitadas pelo SRE (baço, fígado e medula óssea) e a fração heme da hemoglobina serve de fonte para a formação da bilirrubina.

Assim, cerca de 80% da bilirrubina formada no organismo deriva da hemoglobina de hemácias. O restante (20%) provém da degradação de hemoproteínas não hemoglobínicas como catalase e citocromos.

A fração heme da hemoglobina é degradada em biliverdina pela remoção do complexo ferro-protoporfirina. A biliverdina por sua vez, é transformada em bilirrubina indireta pela ação da biliverdina-redutase.

Neste processo, normalmente 300mg de bilirrubina indireta (BI) ou não conjugada (lipossolúvel) são formados em 24 horas.

Em 1916, Van Der Bergh e Muller descobriram que uma espécie de bilirrubina reagia com ácido sulfanílico (diazo reagente) dentro de minutos. Denominou-a de fração reagente direta. A fração que só reagia rapidamente com ácido sulfanílico após adição de metanol foi denominada de fração reagente indireta.

Mais tarde, compreendeu-se que a fração que reagia rapidamente era a bilirrubina direta ou conjugada (BD) e a que só reagia após a adição de álcool era a bilirrubina indireta ou não conjugada (BI).

A BI, sendo lipossolúvel, pode atravessar facilmente a barreira hemato-encefálica impregnando a célula nervosa, causando o Kernicterus (lesão neurológica grave no recém-nato).

Por outro lado, não sendo hidrossolúvel necessita ligar-se à albumina para ser transportada até o hepatócito e, por isso, normalmente não é filtrada pelo glomérulo. Desta forma, na hiperbilirrubinemia indireta o paciente não apresenta colúria ou acolia fecal.

Chegando ao hepatócito, a BI (não conjugada) é captada e transportada com o auxílio de proteínas intracelulares denominadas de y e z.

O transporte intracelular é efetuado por meio deste complexo protéico-pigmentar, do citoplasma até os microssomos do Retículo Endoplasmático Liso (REL).

Nos microssomos do REL, a BI é conjugada ao ácido glicurônico por ação da enzima UDP-glicuroniltransferase, formando assim a bilirrubina direta (BD) ou conjugada (Fig.1).

Por ser hidrossolúvel, a bilirrubina direta (BD) não atravessa a barreira hemato-encefálica mas pode ser excretada pelos rins. Assim, as doenças que causam hiperbilirrubinemia direta apresentam colúria ou acolia fecal em graus variados.

BI + Ácido glicurônico

UDP-glicuroniltransferase

BD

Fig.1- Conjugação da bilirrubina

A BD alcança o intestino através da bile. Chega ao cólon, onde sofre ação das bactérias que promovem sua desconjugação, redução e formação do urobilinogênio e estercobilinogênio. Uma parte do urobilinogênio é reabsorvido e recaptado pelo fígado (circulação entero-hepático).

Uma pequena quantidade de urobilinogênio (4 mg/24 horas) é excretada pelos rins.

O estercobilinogênio é oxidado à estercobilina que é eliminada pelas fezes. Excretam-se normalmente 200-300mg de estercobilinogênio pelas fezes em 24 horas.

CLASSIFICAÇÃO DAS ICTERÍCIAS

As Icterícias são classificadas em: hemolíticas, parenquimatosas e obstrutivas.

Aquelas denominadas hemolíticas são conseqüentes à superprodução secundária à hemólise.

Nestas, os pacientes geralmente apresentam icterícia leve às custas de hiperbilirrubinemia indireta, sem colúria ou acolia fecal.

As icterícias por hiperbilirrubinemia indireta podem também ser classificadas em: hemolíticas (superprodução), hereditárias (defeitos enzimáticos hereditários), metabólicas ou decorrentes da reducão no transporte de bilirrubinas (ICC, hipoxia, choque) (Quadro 1).

Já as parenquimatosas resultam da lesão do hepatócito seja por vírus, drogas, podendo ser tóxicas ou auto-imunes. Apresentam aumento da bilirrubina direta e nas formas mais graves podem apresentar colúria e acolia fecal.

As Icterícias obstrutivas ou colestáticas decorrem, como o próprio nome menciona, de obstrução mecânica na via biliar extra-hepática.

Colestase significa estase da bile (do grego cole = bile e stásis = estase). Nestas últimas, o fígado geralmente encontra-se aumentado e o paciente apresenta prurido, colúria e acolia fecal.

Nos casos graves, as icterícias por hiperbilirrubinemia indireta podem apresentar Kernicterus com grave lesão cerebral e morte.

Já a icterícia por hiperbilirrubinemia direta pode ser classificada em hereditária, parenquimatosa e obstrutiva. Pode estar ou não associada à colestase.

Colestase consiste em qualquer alteração que impossibilite a excreção da bile desde o hepatócito até a ampola de Vater. Tem como critérios clínico-laboratoriais: o prurido cutâneo, a icterícia, a hipocolia fecal, elevação da fosfatase alcalina, da gamaGT e do colesterol.

Algumas doenças como as síndromes de Dubbin-Johnson e Rotor decorrem do acúmulo de BD; contudo, não preenchem critérios clínico-laboratoriais para serem conceituadas como colestáticas (Quadro.2).

Quadro 1 - Principais Causas de Hiperbilirrubinemia Indireta

HEMÓLISE (Superprodução)
HEREDITÁRIAS; METABÓLICAS;
REDUCÃO DO TRANSPORTE

Defeitos na membrana dos eritrócitos

  • Microesferocitose hereditária
  • Eliptocitose hereditária
  • Estomatocitose hereditária

Defeitos metabólicos dos eritrócitos

  • Deficiência de glicose-6PD
  • Deficiência de piruvatouinase
  • Deficiência de glutation e redutase

Hemoglobinopatias

  • Talassemia
  • Anemia Falciforme

Auto-imunes

  • Primárias
  • Secundárias
    - drogas
    - hepatopatias crônicas
    - infeções
    - doenças do colágeno
    - idiopática

Fragmentação eritrocitária

  • Valvulopatias
  • Malária

Hereditárias

  • Síndrome de Lucey-Driscoll (reduzida atividade da UDP-glicuroniltransferase)
  • Síndrome de Crigler-Najar I (ausência de atividade da UDP-glicuroniltransferase)
  • Síndrome de Crigler-Najar II (acentuada redução da atividade da UDP-glicuroniltrans.
  • Síndrome de Gilbert (atividade reduzida da UDP-glicuroniltransferase)

Metabólicas

  • Fisiológica do Recém-nascido (deficiência transitória de UDP-glicuroniltransferase)
  • Hipotireoidismo
  • Drogas
  • Hipoglicemia

Redução no transporte de bilirrubina

  • ICC
  • Choque
  • Hipoxia
  • Desidratação
  • Hipoalbuminemia
  • NPP
  • Drogas (sulfa)

Quadro 2 - Causas de Hiperbilirrubinemia Direta Não Colestática

 
Dubbin-Johnson
Rotor
Defeito Metabólico
Reduzida excreção biliar Excreção biliar
Herança
Autossômica recessiva Autossômica recessiva
Quadro Clínico
Icterícia sem prurido Icterícia sem prurido
Laboratório
Fosfatase Alcalina nl Fosfatase Alcalina nl
Aspecto do Fígado
Fígado de cor escura
presença de pigmento típico
Fígado de cor normal
ausência de pigmento

As colestases podem ainda ser divididas em intra ou extra-hepáticas.

As doenças que causam colestase intra-hepática decorrem de alterações nos sistemas de transporte e secreção da bile pelos hepatócitos ou por um processo obstrutivo das vias biliares intra-hepáticas (Quadro 3).

Já as doenças que causam colestase extra-hepática decorrem de qualquer obstáculo que impossibilite a drenagem normal da bile desde o ducto hepático comum até a ampola de Vater (Quadro 3).

Quadro 3 - Colestases Intra e Extra-hepáticas

INTRA-HEPÁTICA
EXTRA-HEPÁTICA

COM LESÃO HEPATOCELULAR

  • Atresia das vias biliares

  • Colangite Esclerosante Primária

  • Coledocolitíase

  • Pancreatite Crônica

  • Tumor de papila

  • Tumor de pâncreas

  • Ascaridíase ductal

  • Tumor de vesícula biliar

  • Hepatite por vírus
  • Hepatite auto-imune
  • Álcool
  • Drogas
  • Cirrose Biliar Primária
  • Colangite Esclerosante Primária
  • Ductopenia Idiopática do Adulto
  • Rejeição no transplante de fígado
SEM LESÃO HEPATOCELULAR
  • Gravidez
  • Transinfecciosa
  • Colestase Recorrente Benigna"
  • Drogas
  • Síndrome de Alagille

Mecânica

  • Colangiocarcinoma
  • Carcinoma hepatocelula"
  • Linfoma
 

www.fugesp.org.br
FUGESP - Fundação Médico-Cultural de Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo
Rua Itacolomi, 601 - 4º andar - Conjunto 46 - Higienópolis - Cep: 01239-020 - São Paulo - SP
© Copyright 2005, FUGESP